Crítica: Mesmo com Ethan Hawke, 'O Telefone Preto' é menos assustador do que deveria
Thriller de Scott Derrickson traz as armadilhas de um pesadelo sujo e cheio de pavor, mas é muito movido pela fantasia para realmente impactar
Ethan Hawke, em 30 anos, nunca interpretou um vilão óbvio antes, então seria bom dizer que em “O Telefone Preto” ele não apenas interpreta um serial killer – um daqueles loucos anônimos que vivem sozinhos numa casa de tijolos sujos com uma masmorra no porão - mas que ele faz algo memorável com ele. Sua máscara é certamente perturbadora. O personagem de Hawke, conhecido como Grabber, é um sequestrador de adolescentes, a quem ele provavelmente faz coisas indescritíveis. Ele dirige uma van preta dos anos 70 com a palavra “Abracadabra” escrita na lateral, e quando ele sai do veículo para arrancar suas vítimas da rua, ele está usando uma cartola de mágico ou carregando alguns balões pretos. Mas é só quando o vemos em seu elemento doméstico que percebemos toda a grandeza hedionda dessa máscara, com partes removíveis e que parecem ter sido esculpidas em pedra personalizáveis a escolha de seu usuário: às vezes com um sorriso malicioso, às vezes uma carranca, e às vezes sendo usada somente em sua metade inferior.
Hawke interpretando uma figura maligna é um dos principais ganchos e trunfos de “O Telefone Preto”. No entanto, os filmes de serial killers, ou pelo menos os bons, tendem a ter um certo mistério sombrio reservado quanto à identidade ou ao passado deles. E aqui, no momento em que Hawke aparece, de uma maneira estranha, sentimos que já o conhecemos.
O filme se passa no norte de Denver em 1978, o que parece ser o cenário perfeito para um filme de serial killer, especialmente porque colore a época com uma cota de detalhes convincentes. Conhecemos Finney (Mason Thames), o triste herói de 13 anos de cabelos compridos, durante um jogo da Little League. Depois que ele desiste do home run da vitória, vemos as equipes passarem umas pelas outras, apertando as mãos e dizendo “Bom jogo, bom jogo” – um detalhe fazendo referência à “Dazed and Confused” de 1993, acrescentando um clima de nostalgia no lugar certo. Finney e sua irmã caçula precoce, Gwen (Madeleine McGraw), discutem quem é o maior galã em “Happy Days” (ela acha que é Potsie, mas prefere Danny Bonaduce em “The Partridge Family”), e o filme segue construindo a imagem ressonante da época em que se passa, criando o clima de dias onde lançadores de foguetes no quintal, músicas como “Free Ride” e, surpreendentemente, cartazes para crianças desaparecidas eram comuns.
E falando sobre desaparecimentos, ficamos diante de uma “epidemia” recente deles: cinco adolescentes, todos meninos, retirados das ruas pelo Grabber. E Finney, é claro, é o próximo. Não demora muito para que cheguemos ao sequestro e prisão de Finney na masmorra de Grabber – um bunker de concreto, à prova de som e vazio, exceto por um colchão sujo, com paredes corroídas marcadas por uma rachadura horizontal enferrujada que parece uma ferida. O coração do filme é a experiência de Finney lá embaixo e sua tentativa de escapar. De vez em quando, o Grabber se apresenta ao garoto, insinuando coisas terríveis que estão por vir e dando-lhe comida, como ovos mexidos que parecem mais assustadores do que qualquer outra coisa no filme (embora sejam bastante comestíveis).
No entanto, apesar das armadilhas deste inferno, “O Telefone Preto”, como descobrimos rapidamente, não é um filme de serial killer realista, sujo e cheio de medo, como “O Silêncio dos Inocentes” ou “Dahmer”. É mais como “O Quarto de Jack” com adição de uma dose pesada de terror fantasioso, com toques de “It” e “Stranger Things”. Temos uma pista de onde o filme está indo logo no início, quando Gwen tem um sonho revelando detalhes sobre o assassino, como o fato de ele guardar aqueles balões pretos em sua van. Ao ouvir sobre a premonição no pesadelo de Gwen você pode pensar: “Legal!”. Ou você pode interpretar essa informação como a primeira pista de que “O Telefone Preto” é um filme de terror que vai criar muitas regras à medida que avança. O diretor Scott Derrickson assinou a direção do primeiro “Doutor Estranho” e aqui, adaptando um conto de Joe Hill, constrói um filme de serial killer que parece um primo sombrio das adaptações do mundo dos quadrinhos, com elementos sobrenaturais que conduzem a história, mesmo quando estes a atrapalham e impedem que se torne algo que nos envolva no que poderia ser nosso novo e verdadeiro pesadelo.
Os anos 70 foram uma época em que assassinos em série da América Central, do tipo que espalhavam seus crimes por décadas em lugares como Wichita, pareciam brotar como cogumelos. No entanto, eles ainda estavam no processo de se tornarem icônicos; seria necessária a cultura popular para conseguir isso. (“Dragão Vermelho”, o primeiro romance de Thomas Harris a apresentar Hannibal Lecter, foi publicado em 1981.) Agora, no entanto, eles são tão icônicos que são absolutamente padrão. Em “O Telefone Preto”, Grabber viola o cenário bucólico, mas também se encaixa perfeitamente nele. O filme o apresenta não como uma figura complexa do mal, mas como um puro arquétipo cinematográfico: o psicopata com uma masmorra. Hawke, além da máscara de Ethan-Hawke-como-demônio, não tem muito com o que trabalhar, e para aumentar o fator de esquisitice, ele cai em maneirismos que podem nos lembrar de Buffalo Bill em “O Silêncio dos Inocentes”. Hawke é um ator tão querido que provavelmente não terá problemas com isso, mas dado o furor que esse personagem causou 30 anos atrás na comunidade LGBTQIA+, você pode se perguntar por que Hawke se permitiu assemelhar no que equivale a uma espécie de clichê doentio e ofensivo.
Na masmorra, há outro objeto: um antigo telefone de disco preto pendurado na parede. Grabber diz a Finney que o telefone não funciona, porém o mesmo continua tocando, e cada vez que Finney atende, a voz que ele ouve do outro lado pertence a... bem, eu não vou revelar, mas basta dizer que o longa dá um salto além do costumeiro. Finney recebe muitas pistas sobre o Grabber: quais são seus jogos, os pontos fracos na infraestrutura da masmorra (como um buraco que ele começa a cavar sob azulejos soltos ou uma geladeira escondida em uma parede atrás do banheiro). Muito disso não leva a lugar nenhum, mas estabelece que Finney se tornou parte de uma irmandade de vítimas. Ele é um garoto intimidado que vai aprender a revidar!
“O Telefone Preto” te conduz usando seus próprios termos – isto é, se você aceitar que é menos como um thriller engenhoso e mais como uma fórmula batida, porém estilizada. Sem dúvidas é um terror que prende o espectador, e não deve ter problemas para conquistar uma parte da audiência, mas como consumidora do gênero “true crime” e conhecedora de vários casos de serial killers, não achei particularmente assustador. Os três ou quatro momentos de “jump scare” são todos cortes abruptos com estrondos na trilha sonora - o truque mais antigo da cartilha.
O filme, que entra em cartaz no Brasil no próximo dia 21 de julho, faz um jogo com o público, enraizando a ação em tropos de fantasia e vingança que deveriam aumentar as apostas, mas que, neste caso, principalmente as reduzem. Confira o trailer abaixo: